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“O que foi o Regime Militar, afinal?”

Texto de Elias Alves dos Santos.

Os historiadores e demais cientistas sociais chamam de Regime Militar brasileiro o período de 1964 a 1985 da História deste país. Foi um período onde as liberdades democráticas foram suspensas, houve repressão cultural, social e política e os militares implantaram um aparato repressivo contrário aqueles que defendiam propostas alternativas ao seu projeto de Brasil. Por esses motivos, o Regime Militar também é chamado de Ditadura Militar.
Hoje sabemos que não foi algo simples como o termo “ditadura militar” pressupõe. A presença de grupos civis que apoiaram a implantação do Regime e o sustentaram durante os 21 anos de vigência não pode ser ignorada. Por isso mesmo alguns historiadores optaram por chamar o período de Ditatura Civil-Militar, implantado por um golpe civil-militar.

Com isso eles querem dizer que muitos grupos civis participaram ativamente no período, sobretudo as elites nacionais e internacionais (principalmente dos EUA) – desinteressadas dos projetos reformistas do presidente João Goulart, uma vez que esses projetos ameaçavam seus privilégios historicamente construídos. Além disso, chamam de “golpe” pois os militares (e civis) depuseram um governante democraticamente eleito conforme as regras da Constituição vigente na época.

O período de 1964-1985 embasou-se na repressão política desde seus primeiros anos. Houve cassações de mandatos de parlamentares, fechamento de sindicatos e partidos políticos, demissões e aposentadorias compulsórias de professores acadêmicos, juízes, funcionários públicos e até mesmo militares da ativa. Muitos tomaram o caminho do exílio para fora do país.

Houve um período de prosperidade entre 1969-1973, conhecido como “Milagre Econômico”. De fato, os indicadores econômico-financeiros do país chegaram a cifras astronômicas, inimagináveis para um país como o Brasil da época. As classes altas e médias se beneficiaram grandemente desse período. Mas o “Milagre” não se estendeu a todos. Muito pelo contrário, a população pobre foi a mais prejudicada com o aumento da concentração de renda e da inflação.

Além disso, nunca foram tão agravados os problemas ambientais com o crescimento industrial a todo custo promovido pelos governos do período e não podemos esquecer pesquisas recentes que tem apontado como as populações indígenas foram tratadas pelo Estado e grupos de elites durante o período, conforme afirmam as Historiadoras Heloísa Starling e Lilia Schwarcz:

É certo que houve violências graves cometidas pelo Estado e por agentes privados durante o Regime instituído entre 1964-1985. Mas nada se compara aos crimes cometidos contra os indígenas: matanças de tribos inteiras, torturas e toda sorte de crueldades – assassinatos, prostituição de índias, sevícias trabalho escravo, apropriação e desvio de recursos do patrimônio indígena, caçadas humanas feitas com metralhadoras e dinamite atirada de aviões, inoculações propositais de varíola em populações indígenas isoladas e doações de açúcar misturado a estricnina.
In: SCHWARCZ, L. & STARLING, H. No fio da navalha: ditadura, oposição e resistência. In: IDEM. Brasil: uma biografia. Ed. Cia. das Letras, São Paulo – SP: 2015, p. 463, adaptado.

Mais ainda, o crescimento econômico só foi possível devido ao controle dos trabalhadores e repressão às greves, ocorridos já nos primeiros anos do Regime, entre outras medidas danosas a população, como, por exemplo, o fim da estabilidade no emprego e as proibições a greves.

Além do mais, o clima de nacionalismo extremo cultivado através dos meios de comunicação permitidos pelo Regime impediu uma maior visualização dos problemas que estavam sendo criados, bem como da dura repressão a grupos de extrema esquerda que se insurgiram contra o poder instituído.

É bom não esquecer ainda que o “milagre” tinha bases bastante terrenas, ou seja, tinha um preço real a ser pago. Os primeiros sinais de que as contas do país não estavam bem vieram já em 1974. Em 1979, o país estava mergulhado numa das piores crises econômico-financeiras de sua História. Uma crise que seria legada ao período posterior e que levaria a década de 1980 a ser conhecida como “a década perdida”. Dos megaprojetos de crescimento dos governos civil-militares restaram somente muita devastação ambiental e obras abandonadas, além de uma dívida internacional gigantesca.

Percebendo a perda de legitimidade diante da população e notando que os órgãos de repressão estavam fora do controle, os militares iniciaram, a partir de 1974, um projeto de abertura controlada e devolução do poder aos civis. Contudo, com a grave crise econômica e institucional, diversos grupos contrários ao governo saíram às ruas, acelerando o processo. Por pouco as elites não perderam o controle do processo de abertura, mas uma série de manobras políticas levou, em 1985, à eleição de Tancredo Neves, como presidente do Brasil. Este faleceu antes de sua posse, deixando o cargo presidencial ao vice, José Sarney, antigo aliado dos grupos que apoiaram o golpe e o Regime Militar. As demandas por eleições diretas por parte da população acabaram frustradas e um membro da elite assumiu o comando do país após uma transição sem grandes abalos das desiguais estruturas brasileiras. É o início da Nova República, que perdura até hoje.

Como você pode perceber, este texto é uma tentativa de resposta rápida a pergunta proposta inicialmente. Mas, obviamente, não é minha pretensão oferecer uma resposta conclusiva, por isso o “afinal” da pergunta-título não será (e nunca terá como ser totalmente) satisfeito.
Mas essa já pode ser o início da sua pesquisa. Se você quiser se aprofundar mais sobre o que foi o Regime Militar Brasileiro, sugiro, além de excelentes vídeos de historiadores e professores de História nas redes sociais virtuais, alguns textos iniciais voltados para o público não especializado em História:

  • O vídeo O Regime Militar, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=YZ6-70UrgRw, onde o Historiador Boris Fausto fala do Regime Militar Brasileiro.
  • Os vídeos da conferência 1964 – aparato repressivo do Regime Militar, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=bg0LNEQHHNU, com a apresentação da professora Heloísa Starling (UFMG) e https://www.youtube.com/watch?v=RvDG3vKMml0, com a apresentação do professor Carlos Fico (UFRJ).
  • O capítulo 17 – No fio da Navalha: ditadura militar, oposição e resistência, do livro das Historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling: Brasil – uma Biografia, lançado pela Editora Cia. das Letras em 2015.
  • O capítulo 9 – O Regime Militar Brasileiro, do livro História do Brasil, do professor Boris Fausto (USP), reeditado e relançado em 2009, pela EDUSP.
  • O capítulo 9 – A modernização autoritária: do golpe militar à democratização 1964/1984, de autoria do Historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, presente no livro História Geral do Brasil, organizado pela professora Maria Yedda Linhares em 2000, pela editora Campus.
  • O volume 4 da Coleção O Brasil Republicano, chamado O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX, organizado por Jorge Ferreira e Lucilia Delgado e lançado pela Editora Civilização Brasileira.
    Mas esses são só o começo de uma longa e instigante pesquisa… Bons estudos!

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João Batista Correa

Sou João Batista Correa, formado em história e pedagogia. Especialista em Brasil colônia e mestre em história. Dedico minhas pesquisas sobre a história do Brasil, mais especificamente das cidades do Rio de Janeiro, Leme, Pirassununga e Santa Cruz da Conceição. Alem de historiador, sou músico e educador musical. Autor dos livros: Santa Cruz onde a Ferrovia não Passou: Escravos e Imigrantes na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição, 1836-1898; e Escravidão e Liberdade na Imperial Fazenda de Santa Cruz.

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Sou João Batista Correa, formado em história e pedagogia. Especialista em Brasil colônia e mestre em história. Dedico minhas pesquisas sobre a história do Brasil, mais especificamente das cidades do Rio de Janeiro, Leme, Pirassununga e Santa Cruz da Conceição. Alem de historiador, sou músico e educador musical. Autor dos livros: Santa Cruz onde a Ferrovia não Passou: Escravos e Imigrantes na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição, 1836-1898; e Escravidão e Liberdade na Imperial Fazenda de Santa Cruz.

Uma resposta

  1. Obrigado, ao professor João Correa e à todos que contribuíram para este texto.
    Com certeza aprendi um pouco mais sobre a História do Brasil em narrativas não tendenciosas e em um espírito de equidade.
    Obrigado.

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